6 de out. de 2009

Somos todos fãs de Peter Pan: Soda Acústica e Bagagem Musical de Rondônia

Soda Acústica no Festival Varadouro (Foto por: Talita Oliveira)

Eu, por algum motivo sempre perco o início das coisas legais que acontecem em Porto Velho, não assisti aos primeiros shows da Fábrica (atual Hey Hey Hey), nem da Recato ou da Ultmato, não consigo lembrar muito bem do primeiro show da Os do Norte (que já possuem uma boa leva de fãs grunges), além das outras que sempre perco as apresentações de quando estão surgindo. Não foi bem o caso da “Soda”, conheço a banda de quando eu frequentava a UNIR (Universidade Federal de Rondônia pros desavisados) de lugares como a escadaria, os corredores e o tatuzão (apelido da quadra poliesportiva da Universidade).

Ainda lembro do que eu disse pra uma amiga quando da primeira vez que os vi tocar, as palavras pareciam encaixadas tão sutilmente, tão levemente desencontradas que davam um nó nos conceitos, nos significados, eu disse: “Isso é poesia de verdade!”. No que eu quase havia dito que era Rock'nRoll, mas não é, o que não quer dizer que a banda não tenha contestação, o que eles tem de monte e guitarras que ora lembram uma atonalidade jazzística ora avançam no campo do progressivo. Talvez também não seja o que convencionamos chamar de música alternativa, mas usam de forma muito coerente os experimentalismos indo de hipnóticas guitarras com slides a eletronicidades, mas tem a marca da criatividade que não se prende a fórmulas, ou seja, a banda não se prende a uma única estrutura, uma única forma de compor ou a um estilo musical fechado. Por isso fica difícil sair rotulando de regional, MPB ou samba.

Lançamento do CD

As letras da banda são outro forte, atravessam o ser político com os versos “Democracia modelada de um lado, do outro demolida” de DemoEGOcracia e vão de encontro ao humano que se sente tiranizado pela hipocrisia da atual política “Eu já discuti Heráclito e Demócrito/e já nem sei se rio ou se choro/ou se demonstro o monstro da hipocrisia/essa monótona demagogia só é menor que a minha ironia” e se coloca frente a esse monstro sem face e sem coração com o coração puro, o poeta não se entrega às forças, antes disso, usa-as para torturar o mundo com a inocência. Como em “Se minha sombra falasse” onde o poeta/cantor usa a repetição, que soa como cantiga infantil e como o correr de um relógio, estando ele na métrica temporal do relógio/máquina e ao mesmo tempo arquitetando uma revanche ao Capital “Quando escurece/você desaparece parece”, a música poderia ser uma canção de adeus a inocência se não fosse o refrão “Sou fã do Peter Pan! “ repetido em um sibilar com vozes ecoando. Caiu a máscara do mundo, mas a inocência, ou ainda, a visão da criança, a poesia jovem e enérgica, se mantém agora unida a um gosto e um desgosto que entoam toda a visão de um mundo pós-destruição, um mundo “loco-oco”, um lugar onde o “The day after” reflete o saber da crueldade e a coragem de afirmá-lo e a poesia simples retorna, não menos triunfal, nos versos do poeta Binho musicados pela banda: “Acordei/Mais velho/que o evangelho”. Fechando os opostos, meio que para afirmar a luta transversal, pois que são tocados várias questões humanas e não só o politico “Procura-se/alguém que possa ir além/do seu umbigo “.

A poesia na Soda Acústica assume o nível humano, é cáustica sem ser demasiado política e ressoa no espaço acústico da alma, das perguntas humanas. Com um time seleto de artistas regionais o grupo mostrou com quantos botos se fazem um rio madeira, poesia de primeira, música ousada e arte no mais refinado nível.

Festival Varadouro (Foto por: Talita Oliveira)

Foi no ônibus para Rio Branco que tomei contato com André, guitarrista da banda, depois de uma longa conversa sobre efeitos e guitarras, ganhei um cd da banda. Produzido e prensado com apoio do projeto Pixinguinha da Funarte, o lance de autogestão, idéia bem comum às bandas independentes sendo que os caras fizeram uma turnê pelo estado divulgando seu Álbum.

Além disso, eles também possuem uma parceria com um grupo de artes visuais que criaram as artes do álbum, conhecido como ACME, um sucesso entre os acadêmicos da UNIR (me incluindo nessa turma) formado por um grupo de intelectuais que causou grande furor e movimentou a cena artística na capital há alguns anos. Como de (péssimo) hábito eu perdi o show da banda em Rio Branco devido a reunião do FDE ter se estendido um pouco, a única de Rondônia representada no festival varadouro, infelizmente a primeira do primeiro dia. Embora desapontado por ter perdido o show, voltei feliz por conhecer mais profundamente uma banda sólida do meu estado, saber dos seus “corres” e aprender sobre minha cidade. Pra fechar um trecho de “tédio” que reflete a visão de mundo expressa no álbum que em poucos versos vai do espanto a ação criadora, o que está um pouco em falta na nossa terra: “Nêga/por que tá tudo assim tão sério/o que aconteceu neste século/porque tanto grilo, tanto mistério/Nêga/diz pra mim qual é o remédio/pra ver se me ligo/pra ver se me intero/putaquipariu qui tédiu”.

Por: Luiz Cochi

Um comentário:

Unknown disse...

Olá!
Trabalho na assessoria de imprensa da banda e gostaria de parabenizá-lo pelo ótimo texto. Ficamos todos supresos e contentes com o mesmo. Gostaria também de informar que a letra da canção "Se minha sombra falasse" e de autoria de Adão Viotto que também passou pela nossa UNIR,rsrs como estudante de Letras Português. Valeu Luiz! Janaína Leity